«Ninguém se chama Sara Jéssica»
Outubro 14, 2008
SARA JÉSSICA TINHA FICADO MUITO TRISTE e ainda não tinha deixado de pensar naquilo que Guto lhe tinha dito. Estava difícil esquecer o timbre da sua voz ecoando atrás dela, na escada de serviço do prédio. A escada por onde ela tinha subido abraçada ao desgraçado na noite anterior, depois de muita conversa, muita dança e algumas garrafas de ice vodka. Sara Jéssica não gostava de beber e aquela tinha sido a melhor invenção para quem, como ela, preferia sempre a Coca Cola Zero. Mas acontece que a lucidez da Coca Cola Zero na night era uma coisa muito brochante e os homens riam daquilo e depois fugiam, sem muita paciência para a indecisão que tal bebida dava nas mulheres.
Guto era lindo e um bocado bruto. Como todos os lindos. Filho único queria logo tudo. E muito, muito tudo e não estava nem aí para problemas de gatas existenciais.
Sara Jéssica não era existencialista, mas para Guto andava lá perto, porque ela lhe pedira um livro de presente de dia dos namorados. E na casa de Guto só havia dois livros na estante, uma Biblia e outro que nunca tinha tido vontade de conhecer. E por isso comprou o livro com maior número de páginas que encontrou na livraria e combinou ir encontrar com ela no Beco das Sardinhas para aproveitar a sexta feira, tomar todas e depois irem para casa dele namorar muito.
Como Guto lhe tinha dado um presente daquele tamanho achou que Sara Jéssica nunca lhe iria dizer não, se depois de transarem de todas as maneiras, ele lhe pedisse uma outra coisinha. Mas havia coisas que nem uma existencialista se permitia, mesmo sob efeito da vodka e da enorme biografia do Paulo Coelho. E então, no comecinho da manhã, Guto muito bonito ainda um pouco tonto e deveras malvado conduziu-a à porta de serviço e disse, Desapareça daqui, sua vagabundinha leitora de Paulo Coelho. E olha fala pra sua mãe que ninguém se chama Sara Jéssica, ah, ah, ah, ah, ah...
(para a Sofia B. em insónia delirante)