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Dezembro 23, 2008
"Não é a mesma coisa foder de um lado ou de outro. Amar é igual; falar percebe-se; dizer é mais difícil do que contar. Nem o mar é como se vê; apesar de ser o mesmo. É tudo diferente. Mas aquele diferente bom, que dá para distinguir; que dá para perceber; que até dá para ser, durante um bocadinho, se se quiser.
Vestir e despir.
O romance de Mónica Marques, que se lê como se a vida conseguisse interromper-se para se ver, não é troca nem conciliação. Mantém a alma amada da distância e da vaidade e da tesão e do deslumbramento por atacado. É um livro de viagens entre ela e ela própria; entre ela e os outros; entre ela e nós, pela maneira como nos inclui e nos põe a ler.
Transa Atlântica é um livro onde se vai. É difícil sermos tão levados como ele nos leva. Não é só estarmos lá, no Rio, sem sairmos daqui. É sairmos daqui e não estarmos em lado nenhum senão para onde nos levam os enlevos e os enfados da autora. Sempre depressa. Sempre com graça. Sempre com uma verdade desconcertante.
O Rio é mesmo assim como ela diz. Para um português. Ou para um carioca. Ou para um português que acarioca, como nenhum carioca pode aportuguesar.
Nem tão-pouco o jogo entre um estado e outro e as viagens-relâmpago entre seres - estar aqui; ser aquela pessoa; estar cheia de saudades; ser feliz -é perigoso ou virado para si mesmo. Não. É uma vontade. É uma delícia.
É como viajar sem a chatice de viajar - e o que é mais raro e bonito - sem chegar a ser viagem; sem o pormenor monótono ou o exótico afastador. Todo o romance está unido por uma inteligente correria que não tem medo de nada - nem de sentir, nem de pensar, nem de dizer. E é muito bem sentido; muito bem pensado e muito bem dito.
Uma vez que se vá, já não se volta. Ou antes: já não se deixa de estar sempre a ir e a voltar. Ao Rio e a este romance encantador."
Miguel Esteves Cardoso
Texto de apresentação do Transa Atlântica
Lisboa, Dezembro 2008