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um blog da diáspora blasée

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Abril 14, 2008

O Rio é uma cidade de passeadores de cachorros, Pet Shops, jornais na porta, meninos pretos malabaristas nos sinais cheirando cola, chauffeurs, lavadores de vidros, empregadas fardadas, mordomos de luvas brancas, entregadores de tudo, drogarias, sebos, táxis imundos, meninos fardados com o uniforme dos colégios, livrarias, flamboyants, favelas, tiroteios, ipês, mar, surfistas, farofeiros na praia ao Domingo, lajes, coberturas, bocas de fumo, cigarras, vans, ônibus, jaqueiras, churrascos, madames, pedintes, maconheiros, botecos, armarinhos, padarias, bondes e bailes funk. Policiais militares passeando pelas ruas da Zona Sul em carros com marcas de balas e trabucos de fora. Garotos malhados, algumas patricinhas, muitas popozudas. A favela e o asfalto. O açúcar mais doce, a crueldade mais atroz. O Rio era a cidade onde vivia o Chico Buarque, que caminhava pelo calçadão do Leblon, plenas duas da tarde, nos dias escaldantes de verão e escrevia sobre Budapeste. E isto pode bem ser um fim, ou um começo.

Da amizade

Abril 11, 2008

Na noite a que anos mais tarde gostava cinicamente de se referir como, A noite das tâmaras, Marta tinha prometido a Joana fazer-lhe companhia. Que não. Que não lhe custava nada e mais, isso iria afastá-la da morbidez de Clara, sempre a fazer-lhe festas na cabeça e a lembrá-la de que estava quase careca, Hoje caiu muito não foi, querida?
Obrigada, ainda bem que vens tu que já não a agüento, dissera-lhe Joana ao telefone, sem pingo de emoção.
As pessoas muito perto da morte deixam de se preocupar com as palavras. Fazia sentido Joana ter passado a usar palavras ofensivas para caracterizar comportamentos ofensivos. Coisa que jamais tinha feito antes do C. e que ainda a chocava.

Jantaram as duas. Canja e pescada cozida sem sal. Frente ao José Rodrigues dos Santos, que Marta sabia ser o tipo de homem de Joana, mas isso já não interessava nada. E acabaram ainda antes de Teresa chegar de surpresa, num pulo, depois de sair do banco, cansadíssima.
Ó pá sabes lá, Joana, os gajos matam-me de trabalho, ando tão cansada. Como é que te sentes hoje? Conseguiste fazer cócó?
Não. Ainda não. Mas vai-te embora, Teresa. A Marta fica comigo hoje. Vai-te embora descansada, daqui a pouco a Marginal está que não se pode.
Sim, já vou, não me estejas a mandar embora. E tu Marta, como estás? Mostra lá as maminhas para eu ver como ficaram? Eles lá têm técnicas muito avançadas, não é?
É. Queres ver? Acho que ficaram lindas. Lembras-te como estavam, não era?
Sim. Realmente estão lindas Puseste quanto?
160ml. O médico decidiu durante a operação. Eu tinha pedido 120ml. Loucos, estes gajos, julgam-se Deus. Quando acordei tinha umas mamas até ao queixo.
Marta olhou para o lado e viu que Joana esboçava um sorriso. O que a descansou. Ao menos sem dores, pensou.
Continuaram a falar mais um bocado até que Teresa avisou que tinha que ir. Joana nem se mexeu, como se nada daquilo fosse com ela. Às vezes fechava os olhos e não se sabia se estava a dormir. Ninguém perguntava.
Marta levou a amiga até à porta, Péssima. Está péssima, Teresa.
Baixaram a cabeça, como se extenuadas da conversa que tinham estado a fazer e abraçaram-se.

Quando voltou à sala viu, de relance, que tinha uma mensagem no telemóvel e Joana avisou que estava cansada, Prepara-me só uma botija, um copo de água. Os comprimidos estão naquela gaveta. E apontou enquanto se levantava a custo e lhe virava as costas.
Marta teve a certeza que as dores da operação ainda não tinham passado, útero e ovários tudo fora.
Mas assim que ela saiu, apanhou o telefone e leu a mensagem de Sebastião:
Linda vem cá ter. Estou à tua espera. Vamos a uma festa na casa de um amigo que quero que conheças.
Até já. Beijo.

Marta pousou o telefone, ouviu os barulhos de Joana deitando-se, foi à cozinha preparar a botija e levou-a à amiga.
Estás bem? Tomaste o comprimido?
Joana fez que sim com a cabeça. Marta deu-lhe um beijo na testa e disse, Dorme bem... Uma pausa e continuou, Olha... O Sebastião quer que vá com ele a uma festa. Achas que ficas bem? Eu não me demoro nada, vou e volto...
Vai Marta, vai. Não te esqueças é das chaves. Eu fico bem.

Sem conseguir olhar para a amiga e sem saber o que fazia, saiu porta fora. Já estava atrasada e Sebastião ainda não podia esperar. É que só horas mais tarde em casa do arquitecto, Marta ficaria a saber, música do acaso, com quem o cabrão se havia andado a empanturrar de tâmaras, em Marrocos.
Joana, é claro, já não a veria chorar.

Acordo Ortográfico

Abril 10, 2008

Portugal inteiro deve ter a população do estado de São Paulo. Curto e grosso. Assim, vistos daqui: todos os passos em volta me parecem rodriguinhos e um estrebuchar no barco que afunda. Repararam? Agostinho Neto a baixar em mim.
Adenda: O Artur Jorge também gosta de ouvir música clássica enquanto vê jogos de futebol.

"Essa boneca tem manual"

Abril 08, 2008

Não sei, sequer imagino como é com as outras, embora ás vezes pense nisso: na Bebel Gilberto a comprar, na Clara Ferreira Alves a comprar, na Tia Adelina a comprar, na Maria Bethânia a comprar, na Zita Seabra - a Zita é um fetiche meu, sim - a comprar... Sei lá, tenho imenso tempo disponível e um estúpido problema. Diz o Zieger que nunca é demais assumir, tenham lá paciência. Uma cena que até há pouco tempo não era nada, mas que com os anos, por necessidades várias e cruéis, tive que passar a combater com mais veemência. É que eu odeio comprar cuecas. Na moral, odeio comprar calcinha (já adquiri o palavreado do elemento e aqui mulher não usa cueca, usa calcinha).
Havia em tempos uma coisa que quase se igualava ao momento em que metida no provador com doze calcinhas me olhava no espelho, era aquele outro dia a cada dois anos, em que completamente esverdeada tinha que comprar um biquini.
Então durante anos usei daquelas cuecas comunistas, rápidas de comprar e que não precisava provar porque eram tamanho único. Exatamente essas que estão apensar. Essas capazes de tirar a vontade ao mais destemido dos jovens tarados.
Era assim que me passeava pela Festa do Avante à procura de um revolucionário loiro, que lesse Dostoiévski e fizesse windsurf e era assim que ía para o Califa e para o Bairro Alto e jantar fora e que claro continuava à procura, que uma mulher é uma mulher e sempre procura e lá está, corre o risco de querer mostrar a calcinha.
Felizmente lá encontrei o tal quase revolucionário, na tenda de Checoslováquia a comer um pão com chouriço e a beber uma jola, que me amava loucamente, só podia, não é, e que nessa altura ainda se estava nas tintas para as cuecas de supermercado.
Apenas nunca fiando que homem é tudo igual só muda endereço, e prevendo futuros dissabores, minha enxuta mãe fez uma razia completa às minhas gavetas(onde encontrou outras coisas)e já não me deixou casar naquele esterlaio. Ainda tivemos uma amena conversa sobre essas outras coisas, em que aproveitei para dizer aquela pérola dos ditados brasileiros, Não procura, senão você acha, tendo tudo acabado em bem e eu sido entregue ao adorador de Glauber Rocha.
Lembro por isso o meu casamento como o dia em que, pela primeira vez, me passeei com uma lingerie que me parecia uma instalação do Rui Chafes...

(Continua depois. Acabou o tempo. Agora é assim)

Do assalto

Abril 08, 2008

Com a cabeça na dengue, calças nas crianças e repelente. Sem poder ver um mosquito sequer, vê lá se é listradinho, lá fomos finalmente assaltados dentro do carro, no sinal fechado. Na moral, passa tudo, passa o dinheiro. Na moral, passa, passa, passa! Num minuto de puro ódio.

Mas e por onde andava Neuzinha?

Abril 05, 2008

Estamos na rua com Marta, que acaba de comprar um cigarro avulso, ao antipático dono da banca que fica ao lado da Padaria Rio-Lisboa. E só aqui estamos, quais sanguessugas porque intuímos que tem alguma coisa para contar. Senão para que quereria ela, que nem fumava, o tal cigarro?Para a ajudar a pensar. Para a ajudar a refletir sobre a cena dessa manhã. A revê-la vezes sem conta, sentada no banquinho incómodo da rua, ao lado das duas personagens que conversavam sobre Trás-os-Montes naquele sotaque caricato à Roberto Leal, enquanto seguiam, quase hipnoticamente, os frangos que rodavam nos espetos da máquina em frente.
Uma boa música de fundo, a voz das velhas, para o filme que tinha sido encontrar Miguel, pinto na mão, em frente ao espelho da casa de banho.

Primeira tragada no cigarro.
- O que é que estás a fazer? Tinha então perguntado estupidamente, ao irreconhecível tarado nu à sua frente que a olhava aflito, não mais que uma criança - uma criança tarada, coisa essa muito pior. Julguemos sem medo, que é para isso que cá estamos, enquanto a deixamos dar uma segunda tragada no FREE vermelho. Esta ainda mais sentida porque recordava enojada como quis sair a correr, desatar a berrar, gritar impropérios. Mas apenas se ouviu naquele: Não acredito! Baixo demais, com a porta aberta demais e imediatamente culpada demais. Como se houvesse uma merda de uma culpa e essa culpa fosse de quem não dava o corpo ao manifesto.

Nova pausa para ver os frangos rodar. Agora também sob o olhar vigilante do vendedor, que admirava aquele friso de mulheres tão esquisito, sentadas no banco. Respirou fundo e deu uma terceira e longuíssima tragada no cigarro, desta vez sem inalar e lamentavelmente a última a que assistiriamos, satisfeita toda a mórbida curiosidade e sem encontrarmos nada de jeito para dizer sobre um marido que faz coisas com o pinto, sem consentimento expresso, Vá faz lá para eu ver, Caras e bocas ao espelho da casa de banho, às dez da manhã de um dia de semana.
Todos com vontade de cair fora, abandonar a protagonista às velhas tugas e aos frangos assados. Que não há cu, Arranja um emprego, mas é, infelicidade é coisa que se pega. Mandem vir o fumacê.

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