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um blog da diáspora blasée

Belzebu

Setembro 09, 2008

QUANDO ÉRICA CHEGOU EU TINHA ACABADO DE SENTAR, depois de ter feito todo aquele ritual de menininha carioca quando chega à praia: despido a camiseta e os shorts, dobrado tudo meticulosamente, colocado em cima das havaianas, sem um grão de areia, ao lado da cadeira e ajustado muito bem os fios do biquíni. Acho que já tomava minha água de coco, sem sequer ter precisado pedir ao Panela que era o meu barraqueiro preferido. O tal para quem eu nunca precisava pedir nada porque ele adivinhava ainda antes de eu falar, tudo o que eu tinha vontade. As rotinas nem sempre são coisas horríveis, dizia minha avó Miquelina do Carmo e com razão, mas isso eu só fui entender já ela tinha morrido na cama daquele lar, sem saber quem era.

Hoje estou lembrando de Érica, porque ainda sei quem sou e ela era linda – imagino que ainda seja uma mulher interessante – e eu queria muito saber como era uma mulher e quando a vi chegar me deu uma sensação ótima de bem estar e calor e as borboletas que ainda hoje não consigo nem quero muito descrever mas que nunca tinha sentido perto de homem nenhum, nem de João, meu marido e o amor de minha vida.

Isto foi quando já estávamos no Rio ia fazer uns dez anos e a cidade parecia-nos cada vez mais maravilhosa e as balas traçantes no Vidigal em dias de tiroteio, vistas da praia do Leblon também ajudavam. E nós já fazíamos aquele jogo que todo carioca faz de perguntar pro outro, qual a cidade não-Rio, que você mais gosta no mundo? E a minha era Nova Iorque e no shortinho preto da Érica estava escrito New York e quando ela passou por mim para ir sentar com as amigas um pouco mais à frente eu vi as letras brancas no bumbum dela.

Não sabia se o que tinha gostado mais nela era o sorriso lindo e os cabelos queimados de sol, ou o bumbum dela, ou o jeito dela. E não consegui desatar o nó. Essas coisas acontecem na gente com uma rapidez de belzebu e quando damos conta já estam lá o desejo e a vontade e a solução para os dois. Então saboreei mais um pouco minha água de coco gelada e deixei-me ficar a olhar pra ela. Muitas são as coisas diabólicas que passam na cabeça de uma mulher de quarenta anos.

(para a Érica Mader, com as minhas desculpas)

Jornal velho

Setembro 06, 2008

LÚCIA NÃO DORMIA SEM O COMPRIMIDO 5mg de diazepam ia fazer um ano. Desde que Vergara cansara de esperar que ela deixasse o marido e num telefonema seco e rápido porque transatlântico e no fim do amor ninguém quer grandes contas telefônicas, lhe disse para esquecer, que ele não estaria mais esperando por ela e pelos cinco filhos dela, caso voltasse a Lisboa.
No início e contamos que esse início foi logo no momento em que ela desligou o celular, Lúcia sentiu-se aliviada e isso durou por uns quinze dias. Viver com a culpa no ouvido o tempo todo é uma coisa extenuante. Até para Lúcia, adúltera de outros carnavais. De um tipo de adultério hormonal mais comum aos homens que às mulheres, mas talvez Lúcia tivesse um descontrolo hormonal. Não interessa, ninguém quer saber de estudos bestas, mesmo. Só povos nórdicos se dedicam a isso e é porque não sabem o que fazer ao dinheiro. Nos trópicos temos fome.
Mas depois veio a saudade de Vergara. A saudade de Vergara comprando rúcula para o jantar, a saudade de Vergara calçando meia e dando pulos dentro das calças antes de apertar o cinto. A saudade dele escovando os dentes no duche e ouvindo os noticiários da TSF, nas manhãs em seu apartamento gélido de Lisboa. A saudade de Vergara tomando café igualzinho ao Steve Mcqueen, abrindo a porta do carro e lhe chamando linda.
Enfim, a dor de corno de Lúcia estava difícil de suportar e nem a cidade que ela amava mais que tudo – mais até que Vergara – nem imaginá-lo defecando, como tinha lido nos livros de auto-ajuda, a tirava do torpor em que tinha caído porque, como também é comum nestes casos, tudo a lembrava do vampiro.
Foi ficando desengraçada. Não comia, ou comia demais. Não lia mais jornal, não comprava discos e não fodia, nem com ela mesma, lembrando Vergara, nem com o marido esquecendo Vergara.
Lúcia foi ficando coisa nenhuma. E também perdeu o gosto pelos livros que só sabiam falar de amor, mesmo quando não falavam.
Até que um dia soube que Vergara tinha voltado com a ex-mulher. E isso a salvou e a deixou muito feliz. Tinha ouvido um estudioso – nórdico? –, afirmar que voltar pra ex-mulher é o mesmo que ler jornal de ontem.
Cabeça de mulher loira, que acredita em ciência, é uma coisa muito punk.

SushiLeblon Delivery

Setembro 05, 2008

Ouriquense
E depois o bobo da corte é a Margarida Rebelo Pinto. Já sei o que vou dar de Natal à minha Tia Adelina. Entretanto vamos lá encapelar nossas nádegas, a bem da monumental sexualidade lusitana.

Raimunda

Setembro 05, 2008

NÃO AGUENTO MAIS OLHAR A CARA de minha patroa. Mas tenho de olhar. Acordo às quatro e meia da manhã, pego a Van e o Pirata e às sete e meia desço na Antero de Quental. Vou caminhando, meio dormindo, até à padaria de grã finos que tem o pão francês que ela gosta. Ela me abre a porta de calcinha e soutien e volta a dormir até às nove.
Boto a mesa do café. Faço suco e faço café amando a bunda flácida de minha patroa. Bunda de fumante. Tem caído muito ao longo desses anos. Por isso aquelas Playboy toda no criado-mudo dele.
Sempre que posso vou nas Americanas e compro uma calcinha nova. Já trabalhei em casa de patroa que usava calcinha linda. Essa não liga pra calcinha. Faz mal. O que eu mais odeio é calcinha bege. Já falei pra ela não usar, porque tira tesão de homem. Ela só tem calcinha bege. E calcinha tem que ter bolinhas ou ser muito colorida.
Troco o lençol toda a sexta. Branco não gosta de foder com a mulher. Branco rico, de quadra de praia do Leblon, faz no máximo, duas vezes no mês. Gosto de falar disso com minhas colegas, quando estamos subindo pra casa.
Só a Jupiara, que trabalha em Copacabana, jura que os coroas fazem toda noite. Ela fala que a cueca do patrão tem cheiro. Já trabalhei pra Alemão e sei que lá também não se fodia e nem precisei ficar cheirando cueca. A Ju é louca. Mas o barato da Ju é outro. Acaba que todo o marmanjo se apaixona por ela e ficam lá fazendo, às escondidas das madame, até alguma coisa dar errado e ela ser mandada embora pelo fodedor arrependido.
Por isso tem umas que não botam pra trabalhar dentro de casa neguinha bonita. Tem que ter algum defeito, ou ser muito velha. Eu sou feia de cara, mas boa de bunda. Minha patroa é que ainda não viu e continua lá, usando aquela calcinha bege. Deixa ela. Todo mês tenho conta pra pagar no agiota.

Achamento

Setembro 02, 2008

NÃO SEI COMO VOU VIVER. Ontem entreguei o carro, o celular, os cartões de crédito e demiti-me do banco. Tirei as fotos da secretária e trouxe o termos barato que a minha mulher prontamente me ofereceu quando lhe disse que precisava ter café fresco para não adormecer com as minudências do meio da manhã.
A minha mulher é feia. Fotografo-a sempre a olhar para baixo. Mulheres feias ficam melhor se fotografadas assim. Eu sei e é o que faço.
Estou um bocado cansado, houve um tempo em que ainda tratei dos dentes e achei muitas coisas, mas afinal não tenho jeito para estar sozinho. E gosto dela. Faz sopa – homens e crianças devem comer sopa a todas as refeições – além disso considero-a expert em receitas de porco preto.
Na vida, quando se acha alguém assim, vai-se ficando.
O meu chefe era um canalha certinho. Um puxa saco. Um lambe botas de família perfeita, uma filhinha e uma mulherzinha, que por certo também faz sopa. O banco lhe concedeu um leasing improvável e comprou um BMW ainda antes de fazer 35 anos. No meu tempo ninguém tinha BMW´s antes dos cinqüenta. Mas no meu tempo ninguém tinha BMW´s, só o presidente, para deslocações oficiais.
A mulher do diretorzinho é bem feita, mas tem dentes maus. Ainda liga duas vezes por dia. Ele devia pagar-lhe um tratamento dentário. E proibi-la de ligar tanto. O banco dá facilidade no pagamento. Farta-se de trabalhar. É o primeiro a entrar e o último a sair.
Para se ser chefe, horários são importantes. Nada mais é importante. Odeio caras cumpridores para quem a vida não vale nada. Por isso vim embora. De qualquer jeito iam acabar por arranjar um motivo, e me mandar embora. Ninguém gostava de mim no banco. Nem nos outros lugares onde trabalhei. Sou bom demais, bem parecido demais, bem nascido demais. Pessoas bem nascidas são execradas nos empregos. Todos os empregos são lugares de loucos ambiciosos.
Se pudesse não chateava ninguém, a não ser a minha mulher e mesmo assim só quando ela faz aquela sopa de nabiça, que eu não gosto. Mas infelizmente preciso trabalhar. Vera diz que tenho uma péssima relação com o dinheiro. Gasto todo. Não poupo para alguma eventualidade. Um câncer, por exemplo. E o meu deve estar a chegar. Não sei como vou viver.

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