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um blog da diáspora blasée

Texto-Cábula para O Mar em Casablanca de Francisco José Viegas

Novembro 20, 2009

 

 

 

O que é que a gente quer de um homem? A gente quer viajar com ele? Não sei vocês, mas eu não me importava de ter o inspector Jaime Ramos um bocadinho na minha vida. Sei lá, talvez lhe pedisse uma viagem ou duas, umas férias especiais que não sou de pedir muito e tenho medo das coisas que não são efémeras.

 

Sou má nos preliminares (já viram) e sou confusa na vida, mas homens que sabem esconder-se e esperar dão cabo de mim.

 

Comecei a ler O Mar em Casablanca num avião, de regresso ao Rio. E sei porque não o fiz logo, ainda em Lisboa, próxima do Francisco. Porque sabia que me ia apaixonar e não é bom uma escritora apaixonada pelo seu editor e há uma coisa que me acontece, sempre que leio o Francisco José Viegas ou o Philip Roth, ou o Paul Auster: Apaixono-me.

 

Isto é, deixo-me cair no vício fantástico de confundir o autor com as personagens.

 

E se com o Philip Roth ou o Paul Auster tudo bem, dadas as distancias geográficas, o mesmo não poderei dizer em relação ao Francisco, aqui ao meu lado, perto, pertíssimo e que escreve assim:

 

“As minhas viagens foram isso mesmo: poeira, o coração sempre no fim da tarde, insectos, colibris nos trópicos, o sabor da cerveja, não ter endereço certo, desobedecer aos guias e aos mapas e às intempéries.”

 

Quer dizer, eu podia ser muito cínica e dizer que isto não me bate nada, que isto é só literatura, figuras de estilo que ele aprendeu no liceu, lá no Norte. Podia até dizer que é o estilo do Francisco José Viegas, que os livros dele são todos poemas em prosa, que ele tem uma precisão descritiva do caraças ou que todo o livro é magnífico porque nos transporta para um “cenário chuvoso e lento, quase metafísico.” , como se escreveu no La Reppublica a propósito de O Mar em Casablanca. 

 

Podia. Podia dizer aqui tudo isso porque é verdade, mas não me apetece, nem sou capaz. 

 

A cada um a sua especialidade. E eu não posso falar de um livro do Francisco José Viegas (acho que não posso falar de nenhum livro) a não ser como prazeirosa leitora.

Um privilegio por assim dizer,  porque deve ser uma chatice gostar-se muito de ler e ter que o fazer a trabalho, sem a pica de quem se quer deixar levar,  falar sozinha,  comentar coisas em voz alta como.... 

espera.... Será que ele sabe mesmo cozinhar?

(isso impressiona sempre uma gaja)

 ou,

onde é que este homem foi buscar descrições tão fantásticas do que é o amor falando de tudo menos do amor,

ou, 

onde é que ele aprendeu a amar assim as mulheres, tão bem feitinho tão como deve ser!,

 ou ainda, ...... 

Como é que ele,  Francisco José Viegas, ou Jaime Ramos, isso a mim não me interessa nada, sabe tão bem dizer calado  que somos todas estranhas e totalmente tontas e que acabamos sempre por fazer merda ou desaparecer? ”

 

Gostar de ler pode ser outra coisa que não querer muito ser levada, enganada, rabiada e talvez outras invenções da nossa língua acabadas em ada?

Acho que não. E então foi por isso que sem saber que ia estar aqui hoje, resolvi ler o livro longe. Sã e salva da vontade de depois lhe vir dizer, acerca de O Mar em Casablanca aquelas coisas estúpidas que se dizem acerca dos livros.

É portanto com muito cuidadinho que digo, Francisco José Viegas, que me agrada quando no livro alguém se refere a África como terra de pretos,  naquela mistura explosiva entre a repulsa desconfiada e a atracção, que é como nós olhamos para lá... E também para o Brasil.

Que gosto, quando África me aparece, mesmo nas suas formas mais brutais, como um contraponto, um escape à melancolia das aldeias, ao medo do frio, das doenças, dos bosques, do granito e da chuva fininha.

E que adoro quando, me parece,  o Francisco José Viegas desloca o centro do mundo, de Portugal, para o calor dos trópicos. Quando as  histórias escorregam num maravilhoso descontrolo,  para o que o Francisco também gosta fora dos livros: África, Brasil, Caracas... por aí.

 

Para acabar gosto muito de pensar que o que salva o Inspector Jaime Ramos, são todos os lugares por onde andou como se nunca tivesse saído daquela aldeia de castanheiros e montanhas nem se tivesse desviado do traçado esquisito das velhas estradas de lá,  onde se esconde quem não quer ser visto.

 

Espero que entendas isto como um elogio:  A escrever, ao pé de ti, não passo de  um gajo bruto, um homem das cavernas cheia de tufos no peito.

 

 

 

Livraria Pó dos Livros, Lisboa, Novembro 2009

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